Borracha da Maniçoba
A história da borracha no Ceará
Não se sabe quando começou a história da borracha de maniçoba no Ceará. Parece que a exportação iniciou-se em 1845 com 5.160 kg (Sousa 1898, p. 192). Mas é provável que houve alguma produção de borracha antes de 1845, para o mercado interno ou para uso caseiro. Possívelmente, os primeiros fabricantes e usários foram indígenos.De qualquer maneira, a maniçoba da borracha era explorada bem antes da sua "descoberta" e descrição científica como Manihot glaziovii por Müller (1874).
Revista da Academia Cearense 3:144-210.
Figura 1.
A estatística mostra as exportações cearenses de borracha de 1845-1898. O autor Tomás Pompeu de Sousa Brasil (II) era um importante político do Ceará, deputado, governador em 1889, etc. Seu interesse pela borracha da maniçoba mostra a importância que este produto tinha naquele tempo.Freire Allemão escreveu no relátório da Commissão Scientífica de Exploração (1859-1861) sobre os problemas da produção da borracha cearense: "A grande procura desta substancia [ da borracha ] na Europa e nos Estados-Unidos .. causou no Ceará um verdadeiro furor pela sua extracção nos annos de 1855 e 1856. As matas forão invadidas, e as árvores em grande parte destruídas; ..a gomma colhida às pressas, sem cautelas, e cheia de impuridades, não sei por que cegueira ou imprevidencia dos negociantes era comprada pelo mesmo preço a boa e a má. O resultado foi, como se devia antever, a falsificação dolosa e o descredito do genero, o prejuizo dos compradores e a cessação do commercio." (Freire Allemão 1862, p. CXVI).
Em 1870, o comércio reanimou-se, só para despencar mais uma vez em 1878. A partir de 1885, as exportações melhoraram para algum tempo (estatísticas anuais até 1898 em Sousa 1898, pp. 194ff.). Na primeira decada do século XX, milhoẽs de maniçobas foram plantadas nos estados do Nordeste (Schery 1949, p. 257). Uma plantação de maniçoba existia na Serra do Vicente perto de Baturité, com uma área de 500 hectares e cerca de 1.500 árvores por hectare. A proprietária era uma empresa francesa (Ule 1908, p. 42).
Eu não encontrei muitas informações sobre a borracha do Ceará nas primeiras decadas do século XX. Contudo, existe documentação detalhada para o período da segunda guerra mundial, quando os Estados Unidos foram cortados de quase todas as suas fontes de borracha, o que gerou uma situação crítica. Os americanos procuravam borracha por toda parte, e no Ceará, a produção da borracha da maniçoba cresceu até os limites do possível. Houve até técnicos americanos no estado, monitorando a produção. Um deles escreveu: "..na maior parte das localidades, cerca de 90% das árvores boas foram exploradas, sobre a pressão da guerra.." (Schery 1949, p. 248). Outro técnico concordou: "..em muitas areas é impossível achar uma planta produtora de borracha que não está sendo utilizada.." (Cutler 1946, p. 301).
Cutler descreve no detalhe como os trabalhadores tentam de enganar os compradores, aumentando o peso da borracha com terra ou areia que fica dentro dos corpos de borracha e não se nota facilmente (Cutler 1946, p. 313).
Nos anos depois do fim da segunda guerra em 1945, a produção da borracha do Ceará diminuiu e finalmente parou no final da decada de 1950. A maniçoba não conseguiu competir, nem na qualidade nem no custo da produção, com as seringueiras do gênero Hevea (Cutler 1946).
Veja também este vídeo sobre a maniçoba na história do Pacoti (Serra de Baturité).
A borracha na região de São Francisco (=Itapajé)
No seguinte, vou resumir as poucas informações que eu achei sobre a borracha de maniçoba na região de Itapajé. Não encontrei fotos reproduzíveis. Contudo, achei, por pura coincidência, um desenho do frade de Itapajé (fig. 2), de autoria do celebre botânico Freire Allemão, do dia 17/10/1860, quando a "Commissão Científica de Exploração" passou em São Francisco da Uruburetama. Já citei Freire Allemão, na prévia secção, sobre a desenfrenada exploração da maniçoba nos anos 55/56.
Figura 2.
Desenho de Freire Allemão, com a lenda: "Uruburetama. Aspecto das montanhas, que ficam a noroeste de S. Francisco, onde se vê o Frade. Tirado da janella da casa da câmara em 17 de outubro de 1860." Fonte: Acervo digital da Bibliotéca nacional.● Nos anos 1943-45, o americano Robert Schery trabalhou no nordeste do Brasil, pesquisando sobre o potencial da borracha da maniçoba para a indústria de guerra dos Estados Unidos. Ele esteve também em Itapajé e escreveu: "A região no sul de São Francisco [=Itapajé] .. é uma área de maniçoba típica.. Os trabalhadores cortam a casca da maniçoba.. Durante alguns dias, o latex [=leite] sai das feridas em pequenas gotas, coagulando na casca como "choro", uma lágrima de borracha. Duas vezes por mês, os trabalhadores coletam as lágrimas, frequentemente misturadas com pedaçinhos de casca ou outras impuridades.. Este tipo de borracha é poluído e grudento e tem baixo valor comercial. 100 toneladas desta borracha deveriam passar por São Francisco em 1943." (Schery 1944, p.45)
● No "Jornal (RJ)" do dia 17/03/1944, encontra-se esta notícia sobre o cultivo da maniçoba na agricultura familiar: "..por intermedio do seu Serviço Florestal, o Estado vem incrementando em São Francisco, a cultura de plantas lactíferas, para o que já distribuiu, gratuitamente, com agricultores pobres locais, cerca de 400 litros de sementes de maniçoba do Ceará.. as quais estão sendo plantadas em pequenos roçados.. em consociação com cerais e outras culturas." (Informação contribuída por Kairo Mendes)
Na Serra do Machado, Cutler viu muitas plantações mixtas, por exemplo, de milho, maniçoba, feijão, mandioca e/ou mamona (Cutler 1946, p. 313).
● De um blog sobre a historia de Itapajé: "1895 - 29 de dezembro - Nasce Alexandre Euclides Barroso.. Casou-se em 28-12-1918, com Maria da Conceição Matos.. Comercializava borracha de maniçoba .. e revendia em Fortaleza, seu comboio era um dos maiores da região - principalmente na empresa de José Accioly. Quando retornava a São Francisco, normalmente trazia gêneros alimentícios para revender." (Fonte: Pequena chronologia de Itapajé).
● Na primeira metade do século passado, o Colonel Zeca Paraiba, proprietário da Fazenda Pitombeira, e seu irmão Jaca Paraiba trabalhavam com borracha. A Serra do Barro Branco (um serrote no leste da localidade Pitombeira) era grande produtora. (Informação do Dr. Zé Gerardo Sá). A Serra das Vertentes e o atual terreno da Reserva Mãe-da-Lua também pertenciam a Fazenda Pitombeira. Não sei se houve plantações de maniçoba na Serra das Vertentes, mas, muito provavelmente, houve pelo menos exploração das maniçobas que cresceram naturalmente na mata.
● No ano 1956, a produção de borracha do município de Itapajé era de 50 toneladas, valendo 1.000.000 Cr$. Isso era menos que 1% da produção agricola do município. O fim da época da borracha do Ceará já era perto. Fonte: Folheto "O Centenário de uma Cidade - Itapajé 1859-1959", disponibilizado por Ribamar Ramos e o Blog do Cesário Pinto.
A maniçoba em outros continentes
Nas últimas decadas do século XIX e no início de século XX, houve tentativas de plantar Manihot glaziovii para produção de borracha em outros paises e continentes. Houve muitas falhas, mas também alguns sucessos temporários, especialmente no leste do continente africano, na colônia alemão Deutsch-Ostafrika, hoje Tanzânia (Tobler 1914). Há provavelmente mais literatura alemão sobre o cultivo de Manihot glaziovii no leste da Africa do que literatura brasileira sobre M. glaziovii no nordeste do Brasil.Tobler escreveu am 1914 sobre as plantações de Manihot glaziovii em Deutsch-Ostafrika: "Em 1907, o número de árvores de M. glaziovii foi estimado em 5 milhões, e 1911 em mais que 20 milhões.. 700.000 kg de exportação (em 1911).."
No final, a produção da borracha de maniçoba fora do Brasil sofreu o mesmo fim que a produção no nordeste brasileiro: A maniçoba não podia competir com Hevea sp. Hoje, o Ceara-Kautschuk (=borracha do Ceará) de Deutsch-Ostafrika é uma borracha extinta. Contudo, a árvore espalhou-se na Africa e virou uma espécie exótica na flora de vários paises.
No presente, M. glaziovii se usa na Africa para a melhora genética de Manihot esculenta (Nassar 2007).