Manihot glaziovii - taxonomia e distribuição
Figura 1.
O tipo de Manihot glaziovii, guardado no Jardim Botânico de Meise na Bélgica (coleta Glaziou #1022). Neste registro publicado na internet não consta a data da coleta, mas existe um isotipo da mesma coleta com a data 02/03/1860 (P00648610). Observe que as folhas grandes na foto são peltadas, em acordo com o protólogo.A localidade da coleta de Glaziou 1022 foi "prope Rio de Janeiro" (Mueller 1874, p. 446). Contudo, segundo Pax, a planta de Glaziou foi cultivada. M. glaziovii cresce sobretudo nos estados da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará, e foi alí descoberta pelo Dr. Schüch de Capanema (conhecido como Barão de Capanema). O Dr. Schüch "mandou sementes para o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, onde os sementes germinaram. Müller descreveu a espécie com base em ramos floríferos destas plantas cultivadas." (Pax 1910, p. 90). Pax não informa se a localidade da coleta dos sementes foi no Ceará ou em outro estado nordestino, mas esclaresce que a planta não é nativa do Rio de Janeiro.
Licença da ilustração acima: CC BY-NC-SA 3.0
Figura 2.
As matas virgens do NE com as ocorrências naturais de Manihot glaziovii foram quase totalmente destruídas. No mesmo tempo, muitos milhares de árvores desta espécie foram plantadas fora da sua área nativa (Pax 1910, Schery 1949). Por isso, é difícil determinar o que era a distribuição natural de M. glaziovii antes da sua exploitação como seringueira.Contudo, a pesar de conter alguns erros e misidentificações, o conjunto das coletas herborizadas é provavelmente um ponto de partida razoável para estimar a distribuição atual da espécie. A figura acima mostra as localidades de coleta do SpeciesLink em um mapa do Google. Os estados com o maior número de ocorrências de M. glaziovii são Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Bahia.
Achei também alguns artigos com informações sobre as ocorrências da maniçoba, especialmente no Ceará, que são listados no seguinte.
Freire Allemão (1862) descreveu a exploração iracional e descontrolada da maniçoba no Ceará dos anos 1855/56, ainda antes de a espécie ter sido descoberta pela ciência.
Otto Warburg (1899), um especialista no cultivo de Manihot glaziovii na África colonial, escreveu que a forma não-cultivada de M. glaziovii existia sómente no Ceará, especialmente na Serra Grande, na Serra de "Uruburitama" (sic!) e nas serras de Maranguape e de Pacatuba (p. 51/52).
Segundo Phillip von Luetzelburg 1922/23b, Manihot glaziovii é uma planta comum na "Parte Oéste" da Serra do Araripe (p. 77).
Em Cutler 1946, há fotos de maniçobas usadas na produção de borracha. Por exemplo, a foto XL-B mostra o caule de uma maniçoba da Serra do Machado no Ceará, com DAP de 25cm ou mais (estimado por mim).
Schery (1949) estudou as espécies de maniçobas e sua distribuição no Brasil durante a segunda guerra mundial, pesquisando sobre fontes alternativas de borracha. Segundo este autor, M. glaziovii é distribuído no Ceará e no Rio Grande do Norte. Os maiores exemplares avistados por Schery cresceram no Ceará, nas Serras de Maranguape e Baturité, e tinham um diâmetro (DAP) de até 75cm.
About plantations of Manihot spp., Schery wrote: "During the first rubber boom many plantings of manicoba were made in Ceará, in northwest Baía and in the Jequié area. Several million manicoba trees are reported to have been planted in northeastern Brazil during the first decade of this century. Plantings were made also in East Africa and the Far East. But the bubble soon burst, and little remains today.." (Schery 1949, p. 57).
Segundo Rogers & Appan 1973, a área nativa de distribuição é do Ceará até a Bahia. Os autores listam também os paises onde a espécie é cultivada: "..USA, state of Hawaii; Mexico; Guatemala, Honduras; El Salvador; Costa Rica; West Indies; Venezuela; Trinidad and Tobago; Brasil; Bolivia; Belgian Congo (presently named Zaire); Uganda; Tanganyika; Ceylon; Laos; Malaysia; India; Philippines; Indonesia and Samoa."(p. 179).
Wisniewski & Melo 1983 da Embrapa informam que a espécie de maniçoba prevalente no Ceará é M. glaziovii (p. 8).
Silveira et al. 2019 apresentam resultados diferentes: A área de ocorrência de M. glaziovii MUELL.ARG. seria limitada a alguns fragmentos antropizados da mata atlântica na Bahia e na Paraíba, a espécie sendo ameaçada de extinção (status EN). Veja fig. 3.
Há outros registros de Manihot glaziovii no Ceará em Araúo et al. 2011, Ducke 1959, p. 21, Lemos & Meguro 2010.
Finalmente, há também as minhas observações na Reserva Mãe-da-Lua em Itapajé-CE, onde a maniçoba é uma espécie comum, que atinge facilmente um DAP de 20-30cm (max. 45cm) e uma altura de 12-15m (max. 18-20m). Na minha ex-fazenda (Fazenda Canaã) em Pentecoste-CE, a espécie ocorreu também. Um vizinho da Reserva me contou que em Serrote-do-Meio, ao lado da Reserva, alguns anos atrás foi cortada uma maniçoba muito grossa, com um diâmetro bem maior do que a maniçoba grande da Reserva.
Conclusão: Há numerosos registros históricos e recentes de Manihot glaziovii em vários estados do nordeste, do Ceará até a Bahia. No Ceará, a espécie tem porte arbórea, podendo atingir um DAP de 75cm. Manihot glaziovii é de ocorrência comum e não é ameaçado de extinção.
Consulta 28/4/2021.
Licença da figura acima: CC BY-SA 4.0.
Figura 3.
Segundo o site do projeto "Flora do Brasil 2020", a área de ocorrência de M. glaziovii MUELL.ARG. é limitada aos estados de Bahia, Espírito Santo e Distrito Federal (Bioma: Mata atlântica). Isso é aparentemente em parte baseado em uma publicação de Silveira et al. 2019. Neste mesmo artigo, M. glaziovii foi avaliado como ameaçado de extinção (IUCN categoria "EN") (Silveira et al. 2019, p. 213).Parece que os especialistas da "Flora do Brasil 2020" para Manihot glaziovii não conhecem a real área de ocorrência da espécie e não sabem da sua abundância e história no Ceará.
Números de registros de M. glaziovii no
SpeciesLink,
(consulta 28/04/2021), excluidos da área de distribuição
pela "Flora do Brasil 2020":
Ceará: N=32
Paraíba: N=29
Rio Grande do Norte: N=10
Pernambuco: N=41
e outros..